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Vamos todos fazer mais e melhor. A vida (e a aventura) está aí.
Hoje saí à rua com a ideia de comprar umas botas, daquelas confortáveis, que os personagens dos filmes de aventura selvagem têm sempre calçadas, talvez na esperança de eu também ter direito à minha aventura exótica...
Com este e outros pensamentos, fui até à Baixa em busca das minhas botas, depois de levantar 40 euros que jurei não ultrapassar para tal intento. Eventualmente, passei pelo Humberto.
O Humberto é um rapaz pouco mais velho do que eu, com desejo de aventuras como eu, e com sonhos como eu. Mas quando passei pelo Humberto, vi o que um infeliz acidente de mota lhe fez, já bem depois de ter ficado sem família algures na adolescência. Ele segurava, com um olhar meio perdido e meio esperançoso, um pedaço de cartão onde se lia que a sua jornada para conseguir juntar dinheiro para a prótese que lhe permitirá voltar a ter os dois pés no chão estava apenas à distância de 300 euros (no início, estava a 7000!).
Meia sem jeito aproximei-me com três euros e meti conversa com ele. Perguntei se havia algo que pudesse fazer para ajudar a juntar o resto do dinheiro, e com um sorriso triste disse-me que não. "Já tentei tudo... já fiz campanhas na internet, já pus anúncios no jornal, já contactei televisões... mas é muito difícil. Há pessoas com muito dinheiro, eu vejo isso aqui todos os dias, mas não confiam em nós, o que até se percebe, porque há por aqui muita gente que engana e que rouba...".
Fiquei a pensar naquilo. Somos, ou estamos, desconfiados. É essa a parede derradeira que nos separa, muitas vezes, de gestos de bondade.
"Mas vou estando por aqui. Já estive muito mais longe, e tenho conseguido juntar algum dinheiro. O importante para mim é viver um dia de cada vez". Interrompi-o. Baixei-me, e disse-lhe: "Humberto, decidi que vou confiar em ti. Não posso dar-te tudo, mas posso dar-te o que tenho comigo, e posso prometer-te que, se continuares por aqui, vou tentar voltar com melhores notícias". Passei-lhe as notas amarrotadas.
O sorriso, que já não era magoado, abriu-se num agradecimento sincero.
Agora o Humberto está a 257 euros da sua prótese. E eu não comprei as botas - afinal, não precisava delas para nada.